Em sua primeira visita ao Brasil, Sanda Ojiambo, Assistente do Secretário-Geral e CEO do Pacto Global da ONU, participou da quinta edição do Cidadão Global, evento que aconteceu nesta quinta-feira (08), no Teatro Santander, em São Paulo.
Dezembro de 2022 – Em sua primeira visita ao Brasil, Sanda Ojiambo, Assistente do Secretário-Geral e CEO do Pacto Global da ONU, participou da quinta edição do Cidadão Global, evento que aconteceu nesta quinta-feira (08), no Teatro Santander, em São Paulo.
A ocasião trouxe convidados com experiências relevantes na área e que podem apontar possíveis caminhos para atingir as muitas metas da agenda ESG. Promovido pelo Valor e pelo Santander, com realização da Editora Globo, o evento destacou este ano o tema “ESG – do discurso à prática”, apresentando a visão de líderes que estão gerando impactos positivos para o planeta.
Junto de Sanda, como keynote speaker, esteve o economista e cofundador da Systemiq, Jeremy Oppenheim, para debater a pauta ESG. Em suas edições anteriores, o Cidadão Global já recebeu personalidades internacionais como o ex-presidente americano Barack Obama, o historiador Yuval Harari, o biólogo Jared Diamond, a atriz Viola Davis e o ambientalista e ex-vice-presidente americano Al Gore.
Em sua fala, Sanda relatou que ESG “Deixou de ser considerada uma estratégia de nicho de negócios, alinhando práticas, juntamente com outras estruturas que incentivam negócios responsáveis, tornou-se sinônimo de fazer bons negócios.”
Discurso de Sanda Ojiambo no evento Cidadão Global 2022:
“Líderes empresariais, colegas, distintos convidados,
É um enorme prazer estar hoje aqui em São Paulo com vocês.
Gostaria de agradecer ao Grupo Globo pelo seu empenho neste importante diálogo. Gostaria, também, de agradecer à nossa Rede Brasil do Pacto Global pelos esforços contínuos para avançar no tema de negócios sustentáveis a nível nacional.
Como todos sabem, o panorama da sustentabilidade empresarial está mudando rapidamente.
Ultimamente as discussões tem focado em questões sobre o papel das empresas para alcançar as metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e na relevância e robustez do enquadramento do ESG, assim como em algo importante para muitos de vocês que estão hoje aqui: o papel dos líderes empresariais na promoção da transformação da sociedade.
Devemos, sim, debater questões específicas, mas agora, mais do que nunca, penso que podemos concordam que a comunidade empresarial é um necessário e valioso contribuinte no que diz respeito aos planos de desenvolvimento nacional e aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável globais.
No meu discurso, hoje, gostaria de abordar a urgência de aproveitar todo o potencial das empresas para voltar a pôr em marcha a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. E gostaria de me concentrar nos métodos mais eficazes para alcançarmos sustentabilidade a longo prazo, incluindo nisso o compromisso com metas mensuráveis e o desbloqueio do financiamento sustentável.
Mas antes, gostaria de iniciar a discussão com algumas reflexões sobre o nosso percurso até agora.
O Pacto Global da ONU foi criado em 2000, tendo como pano de fundo um cenário de grande recessão, aumento das desigualdades, e o desejo genuíno de muitos líderes empresariais esclarecidos de desempenharem um papel na abordagem dos desafios mais intrincados do mundo.
Desde o início, uma série de empresas brasileiras juntaram-se a nós. Dentre esses primeiros membros estavam a Natura Cosméticos, CPFL Energia e Klabin.
Mais tarde, em 2004, quando o Pacto Global da ONU cunhou o conceito de um quadro ambiental, social e de governança para as empresas, ou ESG, sabíamos que as empresas poderiam aumentar a sua competitividade e o seu valor perante seus acionistas, comprometendo-se com práticas empresariais sustentáveis.
Quase 20 anos mais tarde, o ESG é mais relevante do que nunca para as empresas, com estudos que demonstram que as estratégias do ESG podem afetar os lucros operacionais em até 60%. (McKinsey).
Globalmente, os investimentos de ESG valerão cerca de 41 trilhões de dólares até o final deste ano. E no Brasil, em 2021, 80% dos gestores citaram políticas de investimento em ESG, contra 69% em 2018. (Assoc. Brasileira de Entidades do Mercado de Capitais)
Não mais sendo considerada uma estratégia de nicho de negócios; alinhar práticas com o ESG, juntamente com outras estruturas que encorajam o negócio responsável, tornou-se sinônimo de fazer bons negócios.
Mas os críticos ao ESG salientam que, enquanto as empresas e os mercados se beneficiam deste rótulo, tais objetivos estão ficando distantes das mudanças positivas de que o mundo precisa.
Senhoras e senhores,
Esta discussão surge num momento crítico.
Enquanto estamos aqui reunidos hoje, o mundo enfrenta instabilidade econômicas, escassez de alimentos e de energia, há conflitos crescentes, e o agravamento dos impactos das alterações climáticas.
O balanço do nosso progresso em relação aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável mostra que a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável está em sério risco.
Tanto o sector público como o privado estão lutando para lidar com crises globais interligadas.
A crise da guerra na Ucrânia tem iniciado ondas de choque económico por todo o mundo. No Brasil, a guerra impactou o agronegócio, uma vez que a Rússia, uma das maiores fornecedoras de fertilizantes, impôs sanções abruptamente.
A poluição e os graves acontecimentos climáticos estão ameaçando comunidades e ecossistemas em todo o mundo. Mas, sendo o abrigo de maior parte da floresta tropical amazónica, estas ameaças assumem uma urgência maior no Brasil. As pressões colocadas em relação ao clima sobre empresas e cadeias de abastecimento conduzem frequentemente a práticas insustentáveis que, num círculo vicioso, ameaçam ainda mais o ambiente natural.
Entretanto, a margem existente para limitar o aquecimento global ao nosso objetivo de 1,5 graus está se fechando rapidamente. E os atuais compromissos e ações nacionais ficam muito aquém das reduções necessárias nas emissões de gases do efeito estufa.
O Brasil possui um sector energético renovável robusto e em crescimento que representa 50% do mercado de energia. Mas ainda há muito trabalho a ser feito.
Senhoras e senhores,
Estas crises globais em curso ensinaram-nos que as empresas não podem agir sem considerar seu meio ambiente.
Paul Polman discorre em seu texto “Net Positive Manifesto” que as empresas devem desempenhar um papel mais ativo na abordagem de crises locais e globais, tanto por razões práticas como morais. Afinal, ele lembra-nos que as empresas não podem prosperar a menos que as pessoas e o planeta também estejam prosperando.
Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável oferecem um quadro embasado em princípios que possibilitam às empresas uma avaliação sobre seu impacto nos desafios de desenvolvimento locais e globais. Tais Objetivos funcionam também como uma verdadeira base orientadora das empresas – uma vez que sabemos que a mudança contínua é o único fator verdadeiramente constante no mundo empresarial.
No entanto chegou o momento de reconhecer que as ações empresariais não condizem com o ritmo e ambição necessários para atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. A comunidade empresarial pode e deve fazer melhor.
A boa notícia é que existem ferramentas para ajudar empresas a preencher a distância existente entre as ambições de sustentabilidade e as ações concretas. Neste ponto, gostaria de discorrer acerca da forma em que as empresas, ao se comprometerem com metas mensuráveis, podem aumentar a sustentabilidade em toda uma gama de questões, desde aquilo que tenha relação com as alterações climáticas até o setor trabalhista.
Em primeiro lugar, objetivos mensuráveis são bons negócios. O público está cada vez mais cauteloso com aqueles que alegam ater-se ao ESG. De fato, na Europa, órgão reguladores retiraram 1.000 fundos europeus da classificação de sustentável após terem imposto regras mais estritas para definir o que pode ser rotulado como um fundo sustentável.
Sendo a maior iniciativa mundial de sustentabilidade empresarial, com mais de 17.000 empresas participantes ativas em 161 países, o Pacto Global da ONU dá prioridade à responsabilidade.
Sabemos que, para que as empresas contribuam com o desenvolvimento sustentável, elas devem adotar uma abordagem holística e baseada em princípios em todas as suas operações. Todos os nossos participantes se comprometem a defender os nossos Dez Princípios sobre direitos humanos, trabalho, meio ambiente, e anticorrupção.
Este compromisso é mensurável. O Pacto Global da ONU atualizou recentemente nosso quadro de relatórios anuais, a Comunicação sobre o Progresso, que apresentaremos no próximo ano, permitirá que os participantes possam medir e demonstrar seu progresso em relação aos Dez Princípios e aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. E, assim, tornar-se responsáveis pela sua melhoria ano após ano.
O Pacto Global das Nações Unidas também ajuda a construir parcerias que envolvam uma gama de stakeholders para aumentar a responsabilidade e assegurar um impacto coletivo na busca de soluções viáveis. No nosso mundo interligado, há uma procura crescente deste tipo de colaborações.
No mês passado, quando estive no Egipto, na COP27, ouvi um apelo claro para que a comunidade empresarial aumentasse a responsabilidade na abordagem da crise climática. Isto inclui o compromisso com a transparência e com objetivos mensuráveis.
Já que investidores e stakeholders exigem reduções nas emissões de gases de efeito estufa por parte das empresas, estamos presenciando uma certa propagação da prática do greenwashing, que acontece quando as empresas pintam um quadro de sustentabilidade, sem resultados consistentes ou mensuráveis.
Buscando combater essa prática, o Secretário-Geral da ONU lançou recentemente um Relatório de Perícia Técnica, apropriadamente intitulado “Questões de Integridade” (Integrity Matters), apelando a todos os atores não estatais para que mantenham seus compromissos Net Zero, de acordo com osmais elevados padrões.
A iniciativa Science Based Targets (ou SBTi), com a qual o Pacto Global da ONU tornou-se um parceiro fundador, destacou-se nesse relatório como um padrão ideal para o alcance de objetivos Net Zero confiáveis das empresas.
Com vistas a exemplificar a importância de se estabelecerem objetivos transparentes e mensuráveis poderosos, pode-se citar que entre 2015 e 2020, as empresas que tiveram objetivos aprovados por meio do SBTi reduziram suas emissões em 29%, excedendo as tendências globais.
As empresas com objetivos comprometidos e validados através do SBTi abrangem atualmente mais de um terço da economia global, gerando 38 trilhões de dólares em capitalização de mercado. No Brasil, 49 empresas comprometeram-se com o SBTi.
Estas organizações não só investem em energia verde para atingir os seus próprios objetivos, senão que sua escalada global entrega uma clara mensagem ao mercado.
Por contar com uma matriz energética limpa e por possuir possibilidades bioeconômicas, o Brasil tem grande potencial para ser um líder global na revolução da energia limpa. Tendo acesso a uma riqueza de recursos de energia renovável, a capacidade do Brasil para gerar esse tipo de energia é significativamente superior à média global. E, por ser um dos países mais biodiversos do mundo, o Brasil conta com uma voz única e poderosa no diálogo global sobre o clima. (gov.br)
Outra mensagem clara vinda da COP27 é que, à medida que as empresas competem para progredir a respeito de economias sustentáveis, elas devem assegurar que essa transição seja justa e inclusiva. Quer se trate de clima, energia, sistemas alimentares, ou da revolução digital, as pessoas e os seus meios de subsistência têm de ser uma preocupação central.
Isto significa que há muito mais para estas transições do que a sua concepção, implementação e gestão. Há que considerar cuidadosamente a qualificação, as oportunidades de trabalho, um salário digno, a equidade de género, e a construção de sociedades inclusivas.
No entanto, para alcançar este tipo de transição justa, são necessários objetivos específicos à indústria, desenvolvidos por maior número possível de partes interessadas.
Recentemente, na COP27, anunciamos algumas constatações iniciais do nosso trabalho em um setor em específico, o sector marítimo global; 800.000 trabalhadores desse setor precisam ser qualificados para cumprir os objetivos de descarbonização da navegação até meados da década de 2030.
Fiquei entusiasmada por ajudar a Maritime Just Transition Task Force a lançar um plano de ação desenvolvido pelo Pacto Global da ONU em parceria com outras organizações da ONU, com armadores e sindicatos de marinheiros. O plano inclui objetivos de proteção dos postos de trabalho e dos trabalhadores, bem como a redução das emissões em toda a indústria.
Por contar com alguns dos portos de maior volume da América Latina, a indústria naval é um sector crítico da economia do Brasil. Os esforços nacionais para descarbonizar a indústria marítima brasileira e conseguir uma transição justa e centrada nas pessoas têm o potencial de impactar positivamente toda a região.
Senhoras e senhores,
Por fim, sabemos que nunca alcançaremos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável sem investimentos do sector privado e sem a mobilização dos mercados financeiros.
Acreditamos que existe um amplo capital no mundo todo para fornecer os 5 a 7 trilhões de dólares que são necessários para alcançar os ODS. No entanto, grande parte desta riqueza reside em ativos irrecuperáveis ou investimentos que não fazem avançar o desenvolvimento sustentável.
Ao mesmo tempo, a arquitetura financeira global é estruturada de forma que os países que mais necessitam deste financiamento são incapazes de aceder ao financiamento de bancos multilaterais de desenvolvimento ou de instituições financeiras internacionais.
Aqui reside a oportunidade de alavancar o financiamento privado. Com mais de 17 bilhões de dólares em investimentos anuais em despesas de capital, em investigação e desenvolvimento, e em talento e marketing, as empresas privadas são alavancas fundamentais na transição da sustentabilidade da economia global.
No Pacto Global da ONU, através da nossa Coligação de Diretores Financeiros para os ODS, pretendemos criar um mercado de 10 trilhões de dólares para financiamento ligado aos ODS até 2030.
As empresas irão competir pelo capital, com base na ambição e credibilidade dos seus objetivos e desempenho ligados às ODS.
Temos trabalhado juntamente com instituições financeiras, parceiros da ONU e stakeholders fundamentais para promover a inovação financeira – inclusive quanto às obrigações relacionadas aos ODS.
Senhoras e senhores,
Os desafios que estão adiante são assustadores. Mas a boa notícia é que muitas empresas conseguiram fazer progressos em matéria de sustentabilidade, mesmo diante de crises terríveis.
O Pacto Global das Nações Unidas é a rede que mais cresce no mundo. Desde o seu lançamento em 2003, a rede tem mobilizado a liderança de alto nível do sector privado e oferecido formação e apoio às empresas locais. A sua Estratégia 2030, que visa acelerar a entrega dos principais ODS, já tem mais de 244 compromissos empresariais.
Terei grande entusiasmo em partilhar algumas ideias relativas ao Brasil advindas da última edição do Compact-Accenture CEO, que será lançado em Davos no início do próximo ano.
Segundo 93% dos CEOs no Brasil, os ODS podem ser alcançados. No entanto, apenas 55% deles consideram que as empresas já desempenham um papel crítico para alcançá-los. 37% consideram que as empresas poderiam desempenhar um papel crítico na sua realização, caso houvesse um maior empenho e ação.
Existe aqui uma clara brecha de oportunidades que podemos explorar em conjunto para aumentar o apoio do sector privado brasileiro aos ODS.
Amigos,
Tenho sido tão encorajada a testemunhar o crescente nível de envolvimento dentre a comunidade empresarial do Brasil.
As questões que hoje aqui abordei – negócios responsáveis, compromissos credíveis, responsabilidade e transparência, e implementação estratégica das estruturas de ESG e dos ODS – estão no topo da nossa agenda no Pacto Global das Nações Unidas.
Juntamente com mais de 60 redes locais, incluindo a rede no Brasil, trabalhamos com 17.000 empresas de todas as dimensões para moldar as suas estratégias empresariais através de uma lente de sustentabilidade, de integração dos ODS, de estabelecer metas e impulsionar o negócio responsável.
Convido a todos a se juntarem a nós enquanto trabalhamos em conjunto para uma sociedade mais justa e resiliente, no Brasil e no mundo.
Obrigada!”